segunda-feira, julho 25, 2005

Sol da Caparica

Gosto de viajar de autocarro, não sei se será por hábito ou porque fui sardinha de conserva noutra vida.
Com a minha musiquinha a bombar nos headphones, lá vou eu ao sabor dos solavancos e das ocasionais travagens bruscas.
Temos que apanhar a cadência correcta dos balanços, não contrair os músculos e principalmente não lutar contra isso!
Para a viagem ser confortável, temos que nos deixar levar naquela onda, não sei se estão a perceber.
Como gajo curioso e de apurado espírito analítico, gosto de ficar a observar aquele fervilhante microcosmos, com especial destaque para a expressão corporal e facial dos passageiros.
Como em qualquer aglomerado de “maralha”, existem pormenores de grande interesse, do ponto de vista sociológico.
Dos pontos negativos, prefiro nem falar, pois todos vocês já os conhecem de ginjeira.
Hoje vinha sentado à minha frente, um garotito dos seus 6 ou 7 anitos, acompanhado pela sua progenitora.
Iam claramente equipados para uma soalheira manhã de praia.
A mãe tinha aos seus pés, uma sacola com o farnel e uma garrafa de água fresquinha, tudo muito bem “acondicionado”.
Apresentava-se com um leve top de cores garridas e uns calções que deixavam a descoberto uma generosa quantidade de pernas doiradas pelo sol.
A comissura dos lábios, repuxada ligeiramente para cima, formava um quasi-sorriso que parecia dizer: -Eu vou prá praia meter as ventas no liquido e vós ides prós vossos locais de trabalho, “fuçar” que nem uns cães!
É justo imaginar que ela pensaria algo deste tipo, perante as trombas façanhudas da malta que não teria como destino um quente e extenso areal de praia.
Por seu turno, o gaiato estava com um ar enfastiado que só visto!
Era giro o raio do puto, um mulatito de olhos grandes.
Levava um boné do “Batatoon”, t-shirt amarela com a palavra “Olé!” escrita no peito, calções azuis-claros, ténis e umas divertidas peúgas com o Becas da Rua Sésamo.
De braços cruzados sobre o peito e de sobrolho franzido, o chavalito não estava nada satisfeito com ideia de passar a manhã a tostar ao sol e a apanhar com a espuma da rebentação nas trombas.
Preferia certamente estar com um comando de playstation nas unhas ou a jogar à bola com os amigos lá da rua.
Não o condeno por isso.
Agora ir à praia e ficar a fazer estúpidos castelos de areia e ficar com a colhoada cheia de areia…, foda-se!
Porque é que esta puta não tem um daqueles incontroláveis desejos de bombar a pila do vizinho do 3º Esq?
Assim regressavam JÁ a casa, e o petiz podia ir sem mais demoras jogar matrecos com os amigos.
Foi penoso assistir ao lamento silencioso que o rapazito transmitia. Fazia um forte contraste com a aura veraneante da mãe.
Ocasionalmente, aquele olhar desconsolado ia sondando a mãe, procurando nela algo que alimentasse a sua esperança de voltarem para trás, mas qual quê?
A mãe daquele petiz estava mesmo decidida a ir trabalhar pró melanoma ou carcinoma, ou quem sabe, apanhar uma salmonelazita.
Só me apeteceu dizer: -Estou contigo, puto! A tua mãe tem com cada ideia mais parva! Toma lá dinheiro para umas ganzas! Pra esqueçer, tás a ver...

1 Comments:

At segunda jul. 25, 01:12:00 da tarde, Blogger LuaNova said...

É o mal do bulício urbano da sociedade contemporânea que cada mais vez padecemos, caro Mundus. A efemeridade da oferta, o fugaz estímulo sensorial que a sociedade de consumo nos incute promove este divórcio geracional, esta fissura nos elos de sangue.

 

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