Travessia do Tejo
Gosto da aragem fria do Tejo. Lava-me a alma. É reparadora.
Sentado num cacilheiro, leio com saudade um postal de um amigo que deixou família e amigos para rumar a outras paragens.
Estava farto da vida neste país e resolveu arriscar e jogar com o destino. Eu compreendo, mas sinto a falta dele.
Ao ler estas linhas de quem me é tão querido, deixo o meu olhar fugir para o horizonte e mergulhar num rio das recordações.
Dizem que a vida é feita de momentos, pequenos momentos. Vulgares como tantos outros mas de extrema importância na nossa caixinha de memórias.
Serão esses retalhos de vida, que condensados numa fracção de segundo, passam pelos nossos olhos quando estamos às portas da morte? Se assim for, o que será que me irá tocar?
A porta da sala de aula a fechar no meu primeiro dia de aulas? O sorriso da minha avó? O bigode de algodão que o meu avô colava com sabão quando fazia de pai natal? O primeiro broche, deitado no areal de uma praia da costa da caparica? Ver o Carlos do Carmo a cantar “Os putos”, sentado ao lado do Ary? A dança de pernas do Mantorras antes de marcar um golo? Aquele golo a dois tempos no Pro Evolution Soccer? Aquele fabuloso almoço no outro lado da serra? Aquele grito lancinante numa tenda algures no Algarve? A mensagem subliminar numa certa cassete vídeo com um programa doHerman? Havia tantas pedras preciosas para escolher na caixa do tesouro da memória...
Embalado ao ritmo do Tejo, continuo a ler o postal e penso em voz alta:
-Um grande bem-haja para ti, querido amigo! Boa sorte para piano bar. O Sean Connery brasileiro já te fez a folha?
Ao ouvir o sinal de chegada, levanto-me com coração cheio daquele sentimento agridoce, que é a saudade.
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