sábado, abril 30, 2005

O direito à indignação

A Margarida C. anda muito interessada no nosso blog, a prová-lo está um comentário feito na noite passada acerca dum post já muito antigo.

Comenta a Margarida C. a tal que acha que somos todos rapazes de atributos peculiares (continua-me atravessada): "O facto de conseguires fazer de um texto, aparentemente "inapropriate", algo poético deixa-me inesperadamente surpreendida. E fico feliz por saber que controlas os teus impulsos."

Tem graça, mas sempre achei que as mulheres gostam muito de linguagem ordinária. Todas gostam. As excepções são pessoas sem prazer sexual que vão para freiras, ou beatas ou outra merda qualquer. Andam é por certo a foder a vida e o juízo de alguém.
As que gostam de linguagem ordinária dividem-se em duas grande sub-categorias: as que assumem e as que não assumem.
As que assumem são gajas sem piada nenhuma. Dizem palavrões, são assumidamente pervertidas, sequiosas de picha, de esperma quentinho. Perdem a piada because what you see is what you get; não há nada a explorar, a descobrir, a conquistar.
As gajas que não assumem têm muito mais graça. Precisamente porque existe nelas um infindável campo onírico (segunda vez em dois dias que uso esta very expensive word) (segunda expressão em inglês que uso neste post, ou estou a ficar snob ou a dar em paneleiro) disposto a ser explorado. E a descoberta desses sonhos, dessas fantasias é de um prazer sem limites. São o tipo de gajas que dizem que nunca se masturbaram, e só de responder a isso ficam imediatamente excitadas.

Ora eu acho que a minha querida Margarida C. está precisamente nesta sub-categoria. Gosta de linguagem porca, mas tem também a noção de decoro e de uma pose feminina condigna, de modo que jamais assumirá tal fraqueza. O que eu acho, de resto, muitíssimo bem. Sei que é mentira, mas dá-me uma ponta absurdamente descomunal! O que acho graça é a fórmula discurso ordinário + bocas eruditas continuar infalível. Falo em seios formosos, em sodomia, em derramamento de esperma, e depois junto-lhe alguma psicanálise de Carl Jung, e eis que está permitido à jovem púdica gostar da prosa e mesmo mostrar-se inesperadamente surpreendida.

Diz também que fica feliz por saber que controlo os meus impulsos. E eu respondo que me dá muito gosto vê-la feliz com os meus travões, apesar de desconfiar que ela, como eu, não é nada feliz por controlar os seus.

Houve quem perguntasse em tempos se o post referido era verídico. Respondo mais uma vez com Fernando Pessoa:

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Sempre achei neste poema a metáfora perfeita para a génese de toda a criação artística, ou mesmo para a arte de viver.

1 Comments:

At sábado abr. 30, 02:29:00 da tarde, Blogger Inês L. said...

Então e se eu achar piada aos palavrões, assumir isso mas não os disser eu própria porque tenho a tal noção de decoro e de uma pose feminina condigna? Em que categora me insiro?

 

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