Um momento sublime por dia - IV
Irritam-me gajas e gajos que não gostam de futebol e dizem, como se fosse uma piada extremamente original, inventada nesse preciso momento: "Não entendo qual é o interesse de ver vinte e dois maluquinhos a correr atrás de uma bola."
Que não se goste de futebol por ser revoltante o dinheiro que lhe gira à volta, por sentir ter hoje este desporto de massas o mesmo papel que o circo tinha para os romanos (passe a considerável evolução civilizacional de andarem "22 maluquinhos a correr atrás de uma bola" em vez de serem torturados ou executados em público pela Santa Inquisição ou comidos por leões nos Coliseus), ou por ser muitas vezes um espectáculo entediante ainda concedo. Agora reduzir a elaboração possível de uma batalha ordenada e sujeita a regras bem definidas a uma graçola gasta é pura ignorância e falta de estilo. O futebol envolve para além do jogo em si inúmeros factores de análise e reflexão. O espírito gregário, as paixões e ódios dos adeptos, os jogos psicológicos dos treinadores, as metodologias de treino que exponenciam geometricamente jogadores normais ou banalizam jogadores geniais, a beleza de movimentos de um jogador de que finta meia equipa adversária e marca golo.
Que assumam não perceber nada do fenómeno, os que reduzem o futebol à simplicidade de ver 22 homens a correr. Apliquem esse conceito de indiferença forçada e mal-disfarçada aos outros desportos colectivos com bola, abdicando do cliché de esquerda anti-futebol (já sei que vou levar por esta). Digam que têm outras coisas para fazer que lhes dão mais gozo. É legítimo. Mas não moralizem. Percebam que a piadinha redutora e sem graça é um auto-atestado de limitação que está ao nível de se considerar a pintura contemporânea como um monte de gatafunhos às cores, um músico rock pior que um músico clássico que toque Beethoven, ou uma mãe católica que teve mais de quatro filhos como uma grande fodilhona que sabe que a fruta é boa.
"There's more in heaven and earth than are dreamed of in your philosophy, Horatio."
William Shakespeare, Hamlet
Acto 1, Cena 1
* O momento sublime do dia é a alusão à pintura, a comparação da música rock e música clássica e a citação do Hamlet.
1 Comments:
E viva o futebolii!!
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