sexta-feira, junho 23, 2006

Um momento sublime por dia - I


Ocorreu-me iniciar o pequeno texto que acompanha aqui o David com "Uma mão descomunal". Depois dei conta da cacofonia em que caíra, da possibilidade de me acusarem de esta mudança de postura ser apenas fachada. Não é fachada, mas é muito complicado mudar o registo de um dia para o outro, deixar de olhar em volta sem ter os reflexos primários do passado recente, sem desejar partilhar convosco esses momentos, também sublimes, alguns. No entanto, prefiro obrigar-me a fazer algo que nos primeiros tempos poderá não ser tão natural como o meu último ano e meio de análise sexista e boçal.

Escolhi David de Michelangelo precisamente para acentuar esse violento condicionamento. Para além da personalidade controversa e conflituosa de Michelangelo, arrancar de um bloco de mármore uma figura sublime exige um esforço de contenção desmesurado, imagino eu. Já é cliché atribuir-se a Michelangelo a consideração sobre a facilidade de esculpir, bastando para isso retirar a pedra que excede a forma final no bloco. Desconfio que seja um mito entretanto desenvolvido e perpetuado por gajos como eu, que contam uma história e a vão acrescentado e idealizando. Michelangelo usava modelos no atelier, o que contradiz essa mania de transformar um génio do esforço, da dedicação e da concepção, num monstro da facilidade. Um Mozart da escultura. Mozart, outro mito da facilidade. Também é aparentemente treta que este David seja o que abateu Golias à pedrada. Diz-se que essa foi a inspiração que Michelangelo vendeu à igreja católica, mas que na verdade David seria o nome do modelo donde Michelangelo modelara o bloco de mármore. A discussão entre historiadores parte do pormenor da não circuncisão do pénis, que seria impossível no Rei David.

A maioria das gajas com quem fui para a cama me disseram que eu parecia assim entre o Brad Pitt e o Paul Newman. Mas uma intelectual, que lia imensas coisas e era muito culta, disse que eu parecia o David. Quando exibi o meu gigantesco pénis circuncisado, ela sorriu e só muito mais tarde voltou a falar.

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