terça-feira, novembro 22, 2005

A minha rua.

Hoje vou à rua onde passei a minha infância e cresci.
É uma pequena e velha rua de um bairro típico de Lisboa. A cada passo que dou, sinto-me cada vez mais criança.
Sou sempre criança quando vou à minha rua e é com olhos de petiz que revejo o palco da minha infância.
Aquela velha rua era o meu mundo, sempre fervilhante de movimento.
Em tempos havia comércio. Recordo-me do Sr. Jorge e da azáfama da sua taberna. O seu ar bonacheirão e simpatia contrastavam com a crueza da maioria da sua clientela.
Eram inúmeras as pobres almas que por lá paravam. Rostos marcados pelo tempo, de copo na mão e cigarro ao canto da boca, que ficavam ali na conversa e a jogar dominó.
Em frente à taberna, moravam os meus avós. Gratas recordações que guardo desse rés-do-chão.
Nunca esquecerei o cozido à portuguesa e os pratos de peixe sempre fresquíssimo que a minha avó confeccionava.
As corridas que o meu avô fazia comigo a ver quem acabava primeiro a sopa ( que eu odiava ), as quais eu ganhava sempre.
A minha avó a cantar o fado. O ritual que havia para tirar o café da máquina, e depois do café tirado, para a limpar.
Os disfarces que eu fazia com bigodes feitos de pedaços de algodão, colados com sabão.
A rega do quintal todos os dias de manhã.
O acordar ao som da velha telefonia.
As noites a jogar ao loto.
Os natais em família...
Quase em frente havia “o lugar” da Dona Antónia, a senhora das hortaliças.
Quantas foram as vezes que acordei ao som do seu forte pregão.
Mais abaixo havia a loja do Sr. António das bananas.
Era um senhor muito aprumado, de óculos de armação dourada.
A sua loja emanava sempre um intenso cheiro a fruta que me deixava de água na boca.
Vou pela rua abaixo e passo os olhos pelas janelas.
Os rostos conhecidos já não estão lá.
Os mais velhos aos poucos foram desaparecendo e os mais novos rumaram a outras paragens.
Nos degraus das portas também já não estão os meus companheiros de tropelias.
Era uma correria rua abaixo, rua acima, sempre na brincadeira.
Como por magia, todos os vãos de escada se transformavam em sumptuosos palácios de sultões ou em grutas misteriosas dos tempos dos faquires.
Como era diferente a minha rua.
Hoje está quase deserta, sem grande animação.
As poucas caras que por ali vejo, não as conheço.
Chego ao fim da rua e paro. Olho para trás como se procurasse algo esquecido.
Olho e parece que revejo todas aquelas caras.
O Sr. Jorge a varrer o passeio, os meus avós à janela, a Dona Antónia a fazer o troco de uma freguesa, o Sr. António a descarregar uma caixa de bananas e todos os meus companheiros de brincadeira.
Todos eles me acenam quando me vêem e sorriem.
Retribuo o gesto e continuo o meu caminho.
Afinal a minha rua está na mesma, e para mim sempre estará.

2 Comments:

At terça nov. 22, 03:20:00 da manhã, Blogger LuaNova said...

És mesmo um miúdo querido, meu rico amigo! Dá cá um abraço e vamos brincar os dois!

 
At terça nov. 22, 03:24:00 da tarde, Blogger Rui Borges said...

Mundus...
Obrigado por me devolveres a uma outra rua, de um outro, talvez, bairro alfacinha, mas de um mesmo tempo.

 

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